CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ

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Sessão: 141.4.53.O Hora: 20:40 Fase: BC
Orador: WALTER FELDMAN, PSDB-SP Data: 16/06/2010

O SR. WALTER FELDMAN (PSDB-SP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, venho à tribuna falar sobre o pré-sal e o novo marco regulatório do petróleo, expressando minhas preocupações com a forma e os mecanismos escolhidos pelo Governo para tratar a matéria.

Não há qualquer dúvida de que as reservas do pré-sal são estratégicas para o País. Também não resta dúvida de que a soberania nacional deve ser preservada. Contudo, é igualmente incontroverso - e inegociável - que a Constituição brasileira precisa ser respeitada.

São muitos os aspectos importantes do projeto de lei que dispõe sobre o Fundo Social e o regime de partilha, ora vindo do Senado para ser reapreciado por esta Casa. Entretanto, centrarei minha fala em 3 aspectos principais: a inconstitucionalidade da instituição do regime de partilha por lei, os favorecimentos inconstitucionais conferidos à PETROBRAS e a excessiva concentração de poder nas mãos do Executivo.

Opto por não tratar da questão dos royalties neste pronunciamento porque foi exatamente a sua prevalência no primeiro turno de discussões nesta Casa que funcionou como verdadeira cortina de fumaça para encobrir as importantíssimas questões de mérito de que agora falarei.

Ainda que não vá me referir às verbas governamentais, tenho a dizer que considero as alterações promovidas em relação aos contratos preexistentes uma violação de atos jurídicos perfeitos e uma leviandade com as finanças dos entes federados produtores. O equilíbrio federativo foi vulnerado.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, o § 1º do art. 176 da Constituição é claro ao exigir que a pesquisa e a lavra de quaisquer recursos minerais somente poderão ser efetuadas mediante autorização ou concessão da União. A partilha de produção é uma coisa nova. Não é concessão ou autorização. Para se criar o regime de partilha de produção, seria necessário promover alteração na Carta Magna.

Por que, então, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não apresentou uma proposta de emenda à Constituição? Simplesmente por saber que não conseguiria aprová-la neste Congresso, em especial no Senado. Quanto mais no tempo recorde e irresponsável que, de todos os modos, está procurando impor à discussão legislativa.

O juízo de valor feito pelo Governo Lula foi o de que os fins justificam os meios. Pouco importa se a Constituição está sendo jogada por terra. Importa mesmo é aprovar as alterações no marco regulatório do petróleo nos moldes do seu projeto de poder, sem dar chance a uma discussão abalizada.

A um só tempo, presenciamos um acinte à ordem jurídica e um desrespeito a nós, Parlamentares.

As inconstitucionalidades do projeto de lei não se esgotam na instituição do regime de partilha, que, é bom frisar, não é um regime de partilha de royalties. Partilha-se a produção de petróleo extraído das profundezas. A proposição original do Governo sequer dispunha sobre royalties.

Também são inconstitucionais inúmeros dispositivos em que a PETROBRAS é indevidamente favorecida, em detrimento das outras empresas brasileiras que com ela disputam o mercado. Pela Constituição, o legislador ordinário está impedido de dar às empresas estatais privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

Note-se que privilégios fiscais não são exclusivamente benesses relativas a direitos e obrigações de natureza tributária. O termo "fiscal" é bem mais abrangente do que "tributário". É fiscal tudo o que está associado à atuação do Estado no alcance dos seus objetivos. Com as regalias conferidas à PETROBRAS, não resta dúvida sobre a falta de isonomia no novo marco regulatório do petróleo.

Os privilégios dados à estatal são tantos, que não é possível deles tratar com profundidade nesta fala. Apresento apenas os mais relevantes.

Pelo novo marco regulatório do petróleo, a PETROBRAS será a operadora única na exploração das áreas do pré-sal e de áreas consideradas estratégicas (na prática, ressuscita-se o monopólio da estatal, que foi quebrado pela PEC nº 9, de1995).

Além de a PETROBRAS ser operadora única, se uma empresa privada quiser atuar na exploração de áreas do pré-sal ou de áreas consideradas estratégicas, obrigatoriamente, terá de se consorciar com ela e a Pré-Sal Petróleo (antes denominada PETRO-SAL), esta em criação. A PETROBRAS deterá, no mínimo, 30% do consórcio.

Nada mais ofensivo ao princípio da livre iniciativa, um dos fundamentos da ordem econômica (caput do art. 170 da Constituição Federal), e à liberdade de associação (art. 5º, inciso XVII, também da Constituição). Uma empresa somente poderá ter acesso ao mercado reservado e alcançar os seus fins societários caso se submeta ao consórcio compulsório.

Atenção, Srs. Parlamentares: é dada ainda à PETROBRAS a possibilidade de concorrer com as empresas privadas para, entre aspas, "associar-se" a ela mesma no consórcio. Ser-lhe-á conferida a reserva mínima de 30%, além da chance de disputar o direito de participar no percentual restante.

E o descalabro não se encerra aí! Escamoteada na capitalização da PETROBRAS, propalada como se fosse parte indissociável dela, a empresa receberá o direito de explorar até 5 bilhões de barris equivalentes de petróleo na área do pré-sal, em um regime que não é o de concessão ou o novo regime de partilha. O regime exploratório para essas jazidas será único, especial, sui generis para a PETROBRAS, que, é bom ressaltar, não terá de pagar participação especial ou bônus de assinatura.

É uma falácia dizer que a capitalização da estatal só poderia ocorrer com a cessão dos direitos exploratórios de quase um terço das reservas brasileiras conhecidas no pré-sal. Também é ofensivo à inteligência do brasileiro defender a cessão sob o argumento de que é onerosa. Ora, que empresa petrolífera não aceitaria pagar para assegurar para si, e somente para si, o direito de explorar 5 bilhões de barris de petróleo? Não me resta dúvida de que, se os direitos de exploração na área fossem objeto de licitação, os recursos oriundos dessa disputa gerariam valores mais do que suficientes para pagar a parcela da União na capitalização da estatal.

Em verdade, o que se está promovendo é uma cessão de bem público (as reservas petrolíferas) à PETROBRAS, sem que ela precise concorrer com ninguém por esse direito.

O projeto também dispensa a licitação para contratar a PETROBRAS para realizar os estudos exploratórios necessários à avaliação do potencial das áreas do pré-sal e das áreas estratégicas, bem como para atuar como agente comercializador do petróleo, do gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos da União.

A Constituição permite, nobres colegas, que a lei dispense a licitação em algumas situações, mas, é óbvio, somente quando a dispensa encontre respaldo na própria Lei Magna. Nessas hipóteses, identifica-se a aplicação dos princípios da eficiência, economicidade, interesse público e segurança nacional, entre outros. Uma dispensa definida em razão do CGC, CPF ou RG é inconstitucional.

Aos desavisados, pode parecer que o tratamento diferenciado concedido à PETROBRAS estaria acobertado pelos princípios do interesse público e da segurança nacional. Discordo.

Apesar de ser uma empresa estatal, a PETROBRAS não se confunde com a União, de forma que os objetivos de uma e de outra não são necessariamente os mesmos. O interesse público não se alinha obrigatoriamente com o interesse do Estado. Muito menos com o de um Governo. Quanto mais com o da PETROBRAS, que tem a maioria do seu capital originada da iniciativa privada e possui objetivos próprios. Esses objetivos podem ser a maximização do lucro ou uma maior participação no mercado, como ocorre em qualquer empresa comercial.

Por mais indesejável que seja, a estatal também pode servir a interesses menos nobres, sejam pessoais, sejam da corporação. Na ausência do ambiente concorrencial, aumenta consideravelmente a probabilidade de a PETROBRAS passar a privilegiar seu corpo funcional ou determinados fornecedores, sem a devida contrapartida em termos de produtividade ou qualidade do insumo oferecido.

Não é difícil imaginar um cenário em que a PETROBRAS, como única compradora, utilize o poder que terá nesse novo modelo para deprimir os preços dos fornecedores, a ponto de desestimular investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, lembro que, com a quebra do monopólio da PETROBRAS e com a aprovação da Lei do Petróleo, que criou a ANP e levou ao aumento da competição e à possibilidade de selar parcerias internacionais, a estatal passou a desenvolver com maior velocidade a extração de petróleo, ampliou sua participação internacional e se tornou uma das empresas líderes do setor no mundo.

As razões para isso saltam aos olhos de qualquer pessoa. Em um regime de baixa competição, a empresa pode dar-se ao luxo de aplicar ineficientemente seus recursos, oferecendo uma política salarial incompatível com a do setor privado ou se dedicando a projetos com baixa probabilidade de sucesso. Quando a competição aumenta, a estatal é obrigada a canalizar recursos para aumentar a produtividade. Além disso, a presença de empresas estrangeiras no País permite troca de tecnologias, incentiva a formação de pessoal e induz maior oferta de mão de obra especializada.

Portanto, nada leva a crer que, por si só, o modelo vigente enseje riscos à soberania nacional ou subjugue o interesse do País ao de terceiros, sejam eles outros Estados soberanos ou corporações. As instituições existentes têm se revelado sólidas e eficazes na obtenção do melhor resultado para o Brasil.

Caso algum risco realmente exista no presente, persistirá no modelo que se está propondo. Notadamente, se envolver pressões de natureza diplomática ou militar. Ressuscitar o monopólio da PETROBRAS, além de ser inconstitucional, com certeza, não terá o condão de modificar essa realidade.

Por fim, a questão da concentração de poder nas mãos do Executivo.

Em várias passagens dos projetos de lei, decisões em questões cruciais são delegadas exclusivamente ao arbítrio do Poder Executivo. O Legislativo se verá alijado de opinar em questões de suma relevância nacional. Cito 3 exemplos aos quais atribuo maior peso:

1) Caberá somente ao Executivo definir a participação da PETROBRAS nos consórcios exploradores das jazidas, obedecido o limite basilar de 30%. Como não há limite máximo, nada impede que essas participações sejam estipuladas em patamares muito superiores ao mínimo;

2) É atribuição exclusiva do Executivo, sem ouvir o Parlamento, definir as áreas consideradas estratégicas. Na prática, nada impede que, sozinho, o Executivo considere estratégicas todas as áreas onde haja petróleo; e

3) Não há nos projetos de lei impedimento a que o estoque de óleo seja utilizado com fins não comerciais. É possível que o Estado decida vender o óleo a custo subsidiado a quem bem entender (inclusive para o exterior). O Governo Federal poderá fazer política industrial à revelia das Casas Legislativas. O Executivo disporá de um poder imenso nas mãos, sem precisar discutir suas opções com o Congresso.

A imagem do Executivo subjugando os demais poderes deve estar no imaginário dos mentores desse novo marco regulatório do petróleo. Um Legislativo fraco e inoperante é tudo o que regimes com inspiração ditatorial desejam.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.