CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ

Sem%20supervis%C3%A3o
Sessão: 322.1.54.O Hora: 15:28 Fase: PE
Orador: VALMIR ASSUNÇÃO, PT-BA Data: 16/11/2011

O SR. VALMIR ASSUNÇÃO (PT-BA. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, no dia 20 de novembro comemora-se o Dia Nacional da Consciência Negra, mas já estão ocorrendo diversas atividades. Aqui na Câmara, inclusive, na última sexta-feira, houve uma sessão solene.

Na Bahia, como não poderia ser diferente, diversas atividades têm acontecido. Nesse sentido, ontem houve uma caminhada, que saiu do Engenho Velho da Federação, e reuniu lideranças de terreiros, filhos de santo, políticos e militantes do movimento negro de Salvador na luta contra a intolerância religiosa e a violência contra o povo de terreiro.

A marcha, que começou em 2004, tem feito com que a sociedade cada vez mais tenha consciência do seu papel nesse trabalho, Sr. Presidente.

Muito obrigado.

PRONUNCIAMENTO ENCAMINHADO PELO ORADOR

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, ontem, uma caminhada que saiu do Engenho Velho da Federação reuniu lideranças de terreiros, filhos de santo, políticos e militantes do movimento negro de Salvador contra a intolerância religiosa e a violência contra o povo de terreiro. A marcha, desde 2004, repudia os ataques que esses templos vinham sofrendo, principalmente de representantes de religiões evangélicas, e trouxe o tema Sou de candomblé, e você?

Também, no próximo dia 20, o Coletivo de Entidades Negras - CEN e o Fórum Estadual de Religiões de Matrizes Africanas - FERMA realizam sua 7ª Caminhada Pela Vida e Liberdade Religiosa. Destaco a atuação do CEN e do FERMA na mobilização contra o preconceito à religiosidade de matriz africana que já toma proporções insustentáveis e é extremamente grave porque diz respeito não somente ao preconceito, mas envolve violência psicológica e agressões contra pessoas e templos.

Faço aqui a denúncia de fatos recentes e aproveito para pedir providências urgentes. Que a Câmara dos Deputados, o Congresso Nacional, não permita tamanha afronta à liberdade de credo consagrada em nossa Constituição.

Quero me dirigir neste momento à Comissão de Direitos Humanos, para que os fatos sejam apurados com sobriedade, mas com a firmeza que o caso exige. A única coisa que não se pode tolerar é a própria intolerância contra quem, exercendo um direito constitucional, escolhe a fé que deseja professar. Vou me dirigir formalmente à Comissão no sentido de propor que líderes do povo de santo sejam ouvidos aqui e que façamos visitas aos terreiros para constatar in loco as barbaridades contra uma religião que prega a solidariedade, a igualdade, que não discrimina homossexuais, onde se ensinam valores sagrados a qualquer sociedade, como o respeito aos mais velhos, o bom trato com as crianças. Uma religião única, em que as mulheres sempre puderam chegar aos postos mais elevados do sacerdócio. Falo, portanto, de uma herança não apenas religiosa, mas também cultural, que prega a harmonia, o respeito à natureza como valores sagrados.

Sras. e Srs. Deputados, não sou adepto do candomblé, mas sei exatamente de onde vim e o que eu sou. É essa consciência que me obriga a fazer a denúncia e concentrar todos os esforços ao alcance do nosso mandato para reafirmar a liberdade de credo e o respeito às religiões de matriz africana. Como se não bastasse a barbaridade da diáspora africana e a escravidão; como se não bastasse a forma cruel como foram tratados os escravos libertos a partir da Lei Áurea; como se não bastasse o abandono por parte do Estado brasileiro a milhões de trabalhadores negros que construíram este País debaixo de açoites; como se não bastasse a perseguição policial violenta quando a capoeira e o candomblé eram tipificados como contravenção, agora essa afronta à democracia e à própria Constituição.

Vamos aos fatos, a apenas alguns fatos entre muitas ocorrências que estão se tornando corriqueiros na Bahia, justamente na Bahia. Voltarei ao assunto para relatar outros episódios, até não restar dúvidas da necessidade do Congresso Nacional se debruçar sobre o problema. Devemos aproveitar o fato de termos representantes de diversas religiões na Câmara e no Senado, não para reproduzir e acirrar os conflitos que agora denuncio, mas para exercitar a tolerância e tirar deste exercício, soluções para evitar que o preconceito justifique qualquer forma de violência. Vamos aos fatos.

O Quilombo do Monte, no Município de São Francisco do Conde, Região Metropolitana de Salvador, vem sendo alvo de ataques constantes. Os suspeitos são adeptos de religiões que, em outros tempos e em outras partes do mundo, também foram perseguidas e discriminadas. São ataques com o objetivo de desqualificar o Quilombo do Monte, espaço negro que tem reconhecimento federal. Semanas atrás, um jovem foi colocar sua oferenda nas matas, como manda a tradição. Foi agredido física e moralmente, acusado, entre outras coisas, de adorador de Satanás.

O Quilombo do Monte guarda importantes heranças africanas, tradições culturais e fatos históricos de relevância para o povo negro. Por isso, é fundamental que todos nós, cidadãos e líderes negros conscientes, independente de sua religião, nos levantemos contra os ataques ao Quilombo do Monte para defender a nossa história, a nossa cultura, as nossas contribuições civilizatórias que estão sendo criminosamente alvejadas. Esse patrimônio imaterial representado pelas tradições culturais e religiosas não é somente dos habitantes daquela comunidade, nem somente do povo de santo, mas da Nação.

Fatos semelhantes têm se repetido em Simões Filho e Camaçari, também na Região Metropolitana de Salvador. Em Simões Filho os intolerantes já fecharam uma ponte que dá acesso a um terreiro em dia de celebração.

Chegaram a jogar ácido e urina sobre o telhado do terreiro. Lá o clima é extremamente tenso, e se não tomarmos uma providência enérgica, temo por conflitos que poderão resultar numa escalada crescente de violência capaz de fugir ao controle.

Em Camaçari a intolerância religiosa não é novidade para a comunidade de Parque Real Serra Verde. Mas as agressões ficaram mais constantes e mais graves desde fevereiro, quando foi inaugurada uma escola de ensino fundamental no terreno do Terreiro de Lembá, em parceria com a Prefeitura daquele Município. Em outra oportunidade continuarei abordando o tema a partir do trabalho desenvolvido pelo Babalorixá Táta Ricardo.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, é inacreditável que a implantação de uma escola numa comunidade da periferia de Camaçari, apesar da necessidade dessa comunidade e do alcance do trabalho ali desenvolvido, possa ser alvo de agressões por ter o nome de Zumbi e por estar construída em área cedida pelo Terreiro de Lembá. Terei a satisfação de compartilhar com os meus pares as boas notícias que vêm daquela comunidade e daquele templo religioso.

Mas hoje é necessário concentrar no aspecto da intolerância, começando pelo nome da escola, que homenageia um herói reconhecido pela história, Zumbi dos Palmares, merecedor de uma estátua na Praça da Sé, em nossa Salvador, caminho obrigatório para baianos e turistas que frequentam ou visitam o Pelourinho. Apesar de ser uma escola construída e mantida pela Prefeitura, com planejamento pedagógico igual às demais unidades do Município, adeptos de outras religiões pregam na comunidade que a escola é um instrumento de práticas demoníacas. Essas pessoas dizem ainda que essas práticas ditas demoníacas são comuns nas religiões de matriz africana.

Concluo este pronunciamento reafirmando meu compromisso de voltar ao tema para debater a questão geral da intolerância, para denunciar outros casos de violência contra os terreiros e para buscar a paz que está nos ensinamentos do Candomblé, nas Bíblias dos católicos e evangélicos, no Islã, a paz que está nos ensinamentos das mais diversas correntes religiosas. Mas em nome da fé já se fez muita guerra ao longo da história da humanidade.

Não podemos permitir que a diferença justifique a violência.

Sr. Presidente, solicito a V.Exa. que faça divulgar este pronunciamento pelo programa A Voz do Brasil e demais meios de comunicação desta Casa.

Muito obrigado.