Data: 08/03/2006
  Tema: Estatuto da Mulher
  Participante: Deputado Dr. Francisco Gonçalves (PPS-MG)


Confira abaixo as perguntas que foram respondidas pelo relator do Estatuto da Mulher (PL 1399/03), deputado Dr. Francisco Gonçalves (PPS-MG). Para facilitar o entendimento, o bate-papo está dividido em três blocos: assuntos jurídicos, Saúde e Previdência e trâmites.


Assuntos jurídicos

(10:07) SIMONE: O projeto destina 1% das vagas em concursos públicos para atendimento a algumas mulheres, como chefe de família e mães solteiras. Qual o critério para definir se a mulher casada é chefe de família? O salário maior que o do marido, por exemplo?

(10:12) Dep. Dr. Francisco: Simone, a mulher, praticamente em todas as condições, representa o pilar principal do lar. Nos casos específicos em que a mulher é chefe de família, ela está absolutamente ciente de sua responsabilidade não pelo seu vencimento maior que o do esposo, mas porque é, sem dúvida, o principal pensamento da família, exercendo a liderança de todos.

(10:12) SIMONE: O projeto prevê que "nenhuma mulher será submetida a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". Também prevê moradia digna para a mulher. Esses direitos já não estão previstos na Constituição? Parece que é essa proposta é basicamente uma compilação de direitos já existentes...

(10:19) Dep. Dr. Francisco: Simone, o Estatuto da Mulher prevê um aperfeiçoamento da legislação já existente na Constituição. Nós temos a consciência de que o artigo 4º do estatuto vem mais uma vez garantir que o ser humano não deve ser submetido a tortura, a tratamento desumano ou degradante, a discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, mas você também sabe que a nossa sociedade ainda está longe da perfeição. Nós temos uma deficiência de moradias de 7 milhões de casas. Portanto, temos muito trabalho pela frente para contemplar a nossa sociedade carente, livrando-as das desigualdades.

(10:14) Leal: Deputado, como identificar legalmente se a mulher é ou não a chefe de família?

(10:23) Dep.Dr. Francisco: Leal, na verdade, de acordo com a Constituição de 1988, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, o que inclui aqueles decorrentes da sociedade conjugal. Assim, o marido e a mulher conduzem em igualdade de condições a família. O projeto se refere à hipótese de uma família formada pela mãe e seus filhos, de acordo com o que prevê o Art. 226, § 4º da Constituição Federal.

(10:17) Leal: Deputado, o senhor disse que as políticas públicas referentes à saúde da mulher têm que ser garantidas pela Constituição. Mas o Estatuto da Mulher altera a Constituição?

(10:25) Dep. Dr. Francisco: Leal, o Estatuto da Mulher não altera a Constituição. Mas explicita com detalhes o que deve ser feito. Os recursos da área da saúde devem ser garantidos pela aprovação da PEC 29/03, do deputado Roberto Gouveia (PT-SP). Dessa maneira, o orçamento da saúde será garantido de acordo com a arrecadação da seguridade social e a variação do PIB brasileiro. Não poderá haver desvios de recurso da saúde. Não poderão ser criados novos impostos, como recursos cobrados da movimentação financeira, que infelizmente foram desviados do seu objetivo.

(10:24) *MuiéPretaPobre: Esse projeto, ao garantir 1% das vagas para mulheres carentes em concurso público, me parece paternalista e demagógico, além de provocar distorções. Essas cotas para mulheres, negro, índios, etc., me parece ser uma confissão da incompetência do Estado de qualificar seus cidadãos com condições mínimas para concorrerem entre si.

(10:27) *MuiéPretaPobre: Porque não investir na base, nas causas, e não nas conseqüências, oferecendo escolas públicas de alto nível, serviços de saúde de boa qualidade, no lugar de provocar mais distorções com estes projetos paternalistas?

(10:32) Dep. Dr. Francisco: MuiéPretaPobre, a realidade brasileira mostra claramente as desigualdades sociais. As oportunidades são diferentes. Podemos mencionar a ineficiência da maioria das escolas públicas brasileiras, não por opção do corpo docente e dos funcionários da escola, mas simplesmente porque o governo não se compromete com as necessidades inerentes à boa formação escolar do aluno. Portanto, no meu entendimento, 1% das vagas em concursos públicos deverão ser destinadas realmente às mulheres que não tiveram a oportunidade de estudar nos melhores colégios, que normalmente são particulares.

(10:25) Leal: Mas deputado, o projeto fala tanto da mulher chefe de família como da mãe solteira. Qual a diferença técnica entre ambas?

(10:28) Dep.Dr. Francisco: Leal, tecnicamente, você tem razão, não haveria diferença. Ocorre que a intenção do projeto é procurar tanto quanto possível prever todas as situações em que a mulher pode se encontrar, a fim de evitar injustiças.

(10:30) FÁTIMA: O estatuto proíbe salários desiguais entre homens e mulheres, desigualdade de promoção no trabalho, etc. O senhor realmente acredita que uma lei vai evitar essas situações? Como discernir a discriminação sexual da falta de mérito? Uma mulher pode deixar de ser promovida porque tinha menos condições técnicas que um homem. Isso sem falar nos cargos de confiança, em que posso promover quem eu bem quiser, pelo critério da confiança.

(10:37) Dep. Dr. Francisco: Fátima, a intenção do legislador é dotar a sociedade, e os operadores do Direito em particular, de instrumentos que potencializem a defesa das mulheres contra qualquer forma de discriminação. Muitas vezes, a lei pode parecer meramente programática. Mas o fato de haver um diploma legal que consolide ou concentre os direitos básicos da mulher constitui um passo adiante em sua luta por uma sociedade de fato igualitária.

(10:33) FÁTIMA: O senhor não acha que, com tantas políticas de cotas em faculdades, empregos e concursos, daqui a pouco os homens heterossexuais e brancos serão considerados minoria?

(10:42) Dep Dr. Francisco: Fátima, as políticas de cotas, com ações afirmativas, pretendem ampliar as oportunidades de grupos historicamente preteridos ou tratados com inferioridade, considerados minorias. O estabelecimento dos percentuais a serem reservados para esses grupos, com certeza, não serão exorbitantes.

(10:34) *MuiéPretaPobre: Um dos maiores problemas deste país não são as categorias "discriminadas", mas uma única categoria, a maior delas que são os pobres, sejam mulheres, homens, negros, índios, cafuzos, mamelucos e quem mais vier. Por que não um único projeto para diminuir a concentração de renda e garantir a igualdade de oportunidade para a maioria da nação?

(10:40) *MuiéPretaPobre: A impressão que dá é que os governantes não querem ou sabem como agir e gastam energia e verbas com projetos dessa natureza, sem atacar a causa.

(10:41) Dep. Dr. Francisco: MuiéPretaPobre, a lei por si só não tem o condão de alterar a realidade. As ações voltadas para a diminuição da desigualdade social devem ser articuladas e desenvolvidas, principalmente, pelo governo, ou seja, pelo Poder Executivo.

(10:35) naza: Deputado, não entendo essa acirrada preocupação com as diferentes categorias ou classes ou ainda condição da mulher. Não seríamos nós seres humanos e, como tal, não deveríamos ter preservado os direitos inerentes aos seres humanos cidadãos cumpridores dos seus deveres?

(10:44) Dep. Dr. Francisco: Naza, você tem razão, mas um dos instrumentos de que dispõe o Poder Legislativo para tentar diminuir a diferença de tratamento é elaborar leis especiais que protejam certas categorias, até que as mesmas tenham as condições de alcançar a almejada igualdade.

(10:38) JUAREZ: deputado, quando se fala em garantir os direitos da mulher, o senhor não acha que o próprio governo discrimina? Cito como exemplo a medida provisória que o Lula emitiu dando isenção de IR referente às empregadas domésticas, limitando em R$ 350,00. Isso não soa como limitar, ou seja, condenar as mesmas a sempre ganhar o salário mínimo?

(10:47) Dep Dr. Francisco: Juarez, acreditamos que o objetivo da recente medida provisória editada pelo governo, segundo noticiou a mídia, tem por objetivo estimular o empregador a diminuir o grau de informalidade do emprego doméstico. O estabelecimento de um limite de dedução tem caráter fiscal não visa, no meu entender, limitar o ganho do empregado doméstico.

(10:40) FÁTIMA: Se cada tipo de minoria (ex.: negros, mulheres e índios) individualmente pleiteia cotas para si e as consegue, não estamos aos poucos tirando o caráter meritório das seleções em faculdades, concursos e cargos de direção?

(10:47) Dep. Dr. Francisco: Fátima, vide resposta que demos à Naza, às 10h44. "Um dos instrumentos de que dispõe o Poder Legislativo para tentar diminuir a diferença de tratamento é elaborar leis especiais que protejam certas categorias, até que as mesmas tenham as condições de alcançar a almejada igualdade."

(10:44) *MuiéPretaPobre: Entendo que o Legislativo por si só não tenha o condão alterador da realidade. Mas pode partir dele projetos mais abrangentes, e não esses projetos que criam mais distorção.

(10:50) Dep. Dr. Francisco: MuiéPretaPobre, quanto mais genérica for uma lei, mais fadada estará ela a não ser cumprida.

(10:45) julio: As mulheres da classe média e alta têm muitos privilégios. Aposentam mais cedo, falecem depois (representando mais doze anos na Previdência). Não prestam serviço militar obrigatório e não pagam as contas em casa. Queremos direitos e deveres iguais !!!

(10:55) Dep Dr. Francisco: Julio, o Estatuto da Mulher visa ao atendimento da mulher carente, que seja incapaz de manter seu próprio sustento e de sua família, da portadora de deficiência, das soropositivas, das ex-presidiárias, segmentos sociais notoriamente vulneráveis.

(10:47) *MuiéPretaPobre: Deputado, de acordo com sua resposta para a Naza, as "certas categorias" que o senhor quer proteger, não deveria ser classificada como uma categoria só: a dos Baixa Renda?

(10:58) Dep. Dr. Francisco: MuiéPretaPobre, perceba que uma lei destinada a proteger as pessoas de baixa renda seria justamente uma lei genérica a qual eu me referi anteriormente. Portanto, não teria eficácia.

(10:49) julio: Nem toda mulher tem jornada dupla. Umas nem têm filhos e muitos homens é que estão com a guarda dos filhos. Queremos igualdade de direitos e DEVERES. Na PM, as mulheres não vão nas batidas policiais, querem apenas funções administrativas e chefias.

(10:58) Dep Dr. Francisco: Julio, como já informei, o objetivo do estatuto é priorizar o atendimento de mulheres que se encontram em situação de risco social. A Constituição Federal garante igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres. Se criarmos condições, por meio da implementação do estatuto, para que essa igualdade seja alcançada, nosso objetivo terá sido plenamente atingido.

(10:52) julio: O Estatuto da Mulher pode ser questionado no STF, pois cria discriminação sexista.

(11:03) Dep. Dr. Francisco: Julio, o Estatuto da Mulher não cria uma discriminação sexista. Muito pelo contrário, ele destina-se a ser um instrumento para que a mulher alcance de fato a igualdade de direitos e obrigações entre os sexos, prevista pelo artigo 5º da Constituição.

(10:59) Luana: Deputado, caso o projeto seja aprovado, quais serão as funções do Conselho Nacional da Mulher?

(11:09) Dep. Dr. Francisco: Luana, o Conselho Nacional da Mulher está subordinado ao serviço de assistência à mulher, que existe em todas as delegacias da mulher. Esse serviço de assistência é formado por uma equipe multiprofissional, de modo a prestar assistência física, psicológica, odontológica, jurídica e social. De acordo com o artigo 19 do projeto, o Conselho Nacional da Mulher terá funções de formulação, coordenação, supervisão e avaliação da política da mulher.

(11:13) julio: Há autores que alegam que a alegada subordinação das mulheres era uma situação consentida, pois os homens iam para as guerras e também faziam as invenções. É claro que ocorreram abusos, mas não era um regime de escravidão. Muitos homens deram a vida por suas mulheres.

(11:24) Dep Dr. Francisco: Julio, é difícil questionar, agora, situações ocorridas em um passado às vezes remoto. A capacidade inventiva das mulheres, com certeza, foi tolhida pela dificuldade de acesso à educação. Atualmente, o acesso à educação tem sido o caminho mais seguro para eliminação da discriminação de que muitas mulheres são vítimas.

(11:13) Luana: Existirá um órgão especial para combater a violência contra a mulher ou o Conselho Nacional abrangerá essas questões?

(11:23) Dep. Dr. Francisco: Luana, a Delegacia da Mulher representa este órgão na defesa da mulher. De acordo com o artigo 5º do projeto, os casos de assistência jurídica serão encaminhados ao serviço de assistência à mulher, à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário. A par disso, é preciso sublinhar que tramita na Casa o PL 4559/04 que cuida especificamente de mecanismos para combater a violência doméstica contra a mulher e cria os respectivos juizados especiais.

(11:15) *MuiéPretaPobre: Eu entendo que, quanto mais abrangente a lei, maior a chance de não ser aprovada. Mas por que, no lugar do 1% das vagas para mulheres carentes no serviço publico, não entram todos os carentes? O senhor acha que isso seria inviável?

(11:26) Dep. Dr. Francisco: MuiéPretaPobre, em tese você tem razão. Mas é preciso lembrar que este projeto de lei trata especificamente dos direitos da mulher. A perfeição de um projeto, como você pode observar, é muito difícil de ser conseguida.

(11:23) *MuiéPretaPobre: Por que não estender a cota de 1% para todos os carentes, e não apenas para mulheres?

(11:35) Dep Dr. Francisco: MuiéPretaPobre, porque o estatuto pretende atender a um grupo minoritário específico, qual seja, chefes de família, mães solteiras, soropositivas, portadoras de deficiência, ex-presidiárias e mulheres carentes que comprovem incapacidade de manter seu próprio sustento, por estarem doentes ou desempregadas (artigo 2).

(11:28) nicole: O estatuto assegura benefício mensal de um salário mínimo à mulher chefe de família, à mãe solteira, à mulher soropositiva, às portadoras de necessidades especiais e àquelas que comprovem incapacidade de manter seu próprio sustento. Ainda de acordo com o estatuto, a mulher deverá estar desempregada e/ou impossibilitada de manter a si própria e sua prole, com vencimentos de um salário mínimo. Por quanto tempo a mulher receberá esse dinheiro? De onde sairão as verbas para arcar com esse custo?

(11:39) Dep Dr. Francisco: Nicole, o projeto original necessita de aperfeiçoamento, especialmente no que se refere à indicação das fontes de custeio para pagamento de benefícios e estabelecimento de prazos para recebê-los. Quando da elaboração do relatório final e do substitutivo que apresentarei à comissão especial, da qual sou relator, essas questões serão devidamente tratadas.


Saúde e Previdência

(10:04) SIMONE: O Estatuto da Mulher garante uma série de atendimentos pelo SUS, como prevenção de câncer de mama, colo de útero, acompanhamento pré-natal e distribuição de anticoncepcionais. Tudo isso já não é previsto, pelo menos em tese o SUS já não cobre esses atendimentos? Não será mais uma lei que vai implementar essas ações. Falta é dinheiro e organização.

(10:08) Dep. Dr. Francisco: Simone, eu tenho presenciado a política de saúde do SUS como um fator que deve aprimorado porque, na realidade, as garantias estão apenas no papel. Na verdade, a sociedade, e principalmente as mulheres, enfrenta todos os tipos de problemas referentes ao atendimento ambulatorial e internamento. Pelo SUS, esse atendimento deveria ser uma realidade e, no entanto, presenciamos os desmandos principalmente quanto ao internamento. Normalmente, a demanda é sempre maior e as filas são intermináveis. Portanto, você tem razão na sua pergunta. O que falta é planejamento e dinheiro. O Estatuto da Mulher veio para garantir as normas do SUS e os exames que toda mulher tem garantidos pela Constituição.

(10:10) Leal: Deputado, o senhor mesmo disse que as garantias do SUS já estão no papel. Então para quê criar uma nova lei? Já sabemos que não é garantia no papel que resolve o problema do SUS. Não é o papel que vai diminuir as filas e os desmandos no internamento.

(10:15) Dep. Dr. Francisco: Leal, as políticas públicas referentes à saúde da mulher têm que ser garantidas pela Constituição, que é a lei maior do Brasil. Portanto, os governantes têm que ter a consciência de que, se não cumprirem a lei, estão transgredindo as mesmas. É crime o não cumprimento da lei.

(10:19) SIMONE: Por que criar programas de exames de prevenção da hipertensão e programas de saúde bucal específicos para mulheres, no âmbito do SUS, se esses problemas também são masculinos? Afinal, esses programas, destinados a ambos os sexos, já existem.

(10:30) Dep Dr. Francisco: Simone, é verdade que o SUS deve atender igualmente a homens e mulheres, e problemas de hipertensão e de saúde bucal são comuns em ambos os sexos. No entanto, acreditamos que a priorização do atendimento da mulher possibilitará a melhoria na sua qualidade de vida, visto que a prevenção constitui a melhor conduta. Como o estatuto pretende priorizar o atendimento da mulher carente, toda a sua família será, também, beneficiada, pois ela estará mais apta para cuidar dos seus filhos, garantindo-lhes, por conseqüência, uma vida melhor.

(10:24) SIMONE: O estatuto garante salário-maternidade à parturiente que não tiver condições de manter seu próprio sustento. Como é hoje? Ela já não recebe?

(10:35) Dep Dr. Francisco: Simone, o salário-maternidade hoje é pago apenas às parturientes que contribuem para o Regime Geral da Previdência Social (RGPS). O que o projeto pretende é garantir o pagamento desse benefício às mulheres desempregadas ou que se encontrem na informalidade, desde que comprovadamente carentes.

(10:41) *MuiéPretaPobre: Por que não um projeto que prevê que o SUS garanta periodicamente exames de prevenção do câncer de próstata e da hipertensão para homens?

(10:52) Dep Dr. Francisco: MuiéPretaPobre, fica anotada a sua sugestão, que é bastante pertinente. A elaboração de leis especiais, como o Estatuto da Mulher, visa ao atendimento da mulher carente, da portadora de deficiência, das soropositivas, das ex-presidiárias, segmentos sociais notoriamente vulneráveis.

(10:52) nicole: Por que o senhor acredita que o Estatuto da Mulher mudará a realidade que as mulheres encontram nos hospitais públicos, se várias determinações do Estatuto, como a distribuição de anticoncepcionais - que já deveria ser feita pelo SUS - não acontece? O senhor reconhece que o que falta é planejamento e dinheiro. Como o estatuto mudará essa situação?

(11:03) Dep Dr. Francisco: Nicole, creio que a reunião da legislação esparsa em um instrumento legal mais abrangente dará mais visibilidade aos direitos das mulheres, inclusive aqueles que devem ser prestados pelo SUS. Tomemos como exemplo o Estatuto do Idoso. Desde a sua edição, os direitos desse contingente populacional têm se tornado mais conhecidos por toda a sociedade, que vem exigindo o seu cumprimento.

(10:55) julio: A previdência privada é de natureza de sistema financeiro. Logo, pode ser sacada a qualquer tempo. Portanto, não poderia ter diferença de idade entre homens e mulheres. A Previdência Social tem previsão constitucional de diferença, mas a privada é depósito bancário pelo regime de capitalização. Além disso, apenas dois países no mundo têm diferenças nas idades entre homens e mulheres para aposentar, o Brasil e um país árabe. É preciso ter igualdade, mas de deveres e direitos.

(11:08) Dep Dr. Francisco: Julio, diversos fatores levaram a essa diferenciação. À medida que a igualdade entre homens e mulheres, em especial no campo profissional seja alcançada, é provável que essa previsão constitucional de diferença venha a ser questionada.

(11:10) julio: É verdade. As mulheres beneficiadas atualmente são as da classe média e alta. Portanto, precisamos é alterar a Constituição, para estabelecer que a diferença de tratamento será excepcional e em casos de risco social.

(11:19) Dep Dr. Francisco: Julio, as regras da Previdência Social não fazem distinção de classe social para serem aplicadas. No entanto, é fato que as mulheres das classes média e alta são as que conseguem empregos formais e, conseqüentemente, usufruir dos benefícios previdenciários. Como a previdência é um sistema contributivo, não antevejo a possibilidade de dar tratamento excepcional a mulheres em situação de risco social. Nesses casos, a assistência social deve ser acionada.

(11:16) nicole: As mulheres já sabem que têm direito à laqueadura de trompas pelo SUS, mas na prática ninguém consegue fazer, a não ser que pague o médico "por fora". As mulheres também sabem que têm direito ao exame preventivo de colo de útero e a receber anticoncepcionais, mas o caminho para se conseguir tais direitos é uma via crucis. Não acredito que esses direitos precisem de mais visibilidade. Precisam sim de mais verbas, mais médicos, mais hospitais. Medidas que passam longe de serem sanadas pelo estatuto.

(11:33) Dep. Dr. Francisco: Cara Nicole, eu sou médico, obstreta e ginecologista. Trabalhei pelo SUS durante 30 anos e você expressa, neste momento, a verdade. Hoje a grande maioria dos hospitais brasileiros não aceitam o internamento de pacientes para se submeterem à laqueadura tubária. Existe uma má vontade generalizada. Esta é uma das bandeiras pelas quais eu luto no Congresso Nacional. O planejamento familiar é um direito indiscutível do casal, previsto pelo artigo 226, parágrafo 7º da Constituição. É revoltante ver mulheres portadoras de doenças graves, como o câncer do colo do útero, hemorragias uterinas graves devido a patologias ginecológicas, como miomas, serem abandonadas em uma fila de espera. O médico emite a guia do SUS para a cirurgia e ela é colocada em uma fila de espera interminável. Isso é o descaso com a saúde. O governo deve tomar providências drásticas, melhorando os pagamentos dos procedimentos médicos aos hospitais filantrópicos, santas casas, hospitais que atendem pelo SUS, para que possam atender dignamente toda a população. A maioria dos hospitais brasileiros está em situação pré-falimentar, em razão do descaso com a saúde.

(11:24) nicole: Recentemente uma lei garantiu à gestante ter um acompanhante durante o trabalho de parto porém na prática os hospitais públicos não estão deixando esses acompanhantes entrarem. O estatuto também não será outra lei inócua?

(11:36) Dep. Dr. Francisco: Nicole, é verdade. Como eu relatei anteriormente, não existe boa vontade dos hospitais que atendem o SUS. Normalmente, eles não facilitam a entrada de acompanhantes aos pacientes, a não ser em casos especiais. Portanto, o Estatuto da Mulher vem mais uma vez procurar atender o anseio das mulheres.


Trâmites

(10:46) marcos: Quando que o Projeto de Lei 4559/04 vai ser votado? Ele tem chance de ser aprovado?

(10:52) Dep. Dr. Francisco: Marcos, o PL 4559/04, do Poder Executivo, que cria mecanismos para combater a violência doméstica contra a mulher e institui os juizados especiais para tratar desse assunto, está na pauta do Plenário para ser votado, ainda nesta semana se possível, desde que outras proposições que trancam a pauta, como medidas provisórias, sejam apreciadas.

(10:55) marcos: Sr. Deputado, a gente verifica que ainda existem no Congresso deputados machistas. O sr. acha que o projeto 4559/04 pode ser aprovado e o estatuto também?

(11:01) Dep. Dr. Francisco: Marcos, normalmente, dentro do Congresso Nacional, nós temos deputados comprometidos com políticas públicas em benefício da mulher. A segunda maior bancada do Congresso são de médicos, portanto, faço avaliação de que os projetos em pauta serão aprovados. Também temos a valorosa bancada feminina, que luta com todas as armas para que a mulher brasileira tenha cidadania e dignidade.

(10:55) CIOMARA: Esse estatuto cria gastos públicos de grande valor, como creches para crianças desde o nascimento até os seis anos, só para citar um exemplo. Porém, não diz de onde sairão os recursos. O senhor, como relator, pretende resolver esse problema e adequar a proposta à Lei de Responsabilidade Fiscal? Caso contrário, ela jamais será aprovada.

(11:06) Dep. Dr. Francisco: Ciomara, sou relator de uma comissão especial, justamente porque a matéria é tratada por mais de três comissões de mérito. Participam dessa comissão deputados membros da Comissão de Finanças e Tributação, que certamente me auxiliarão quanto à elaboração da versão final do projeto.

(11:07) CIOMARA: Essa comissão foi instalada há exatos dois anos. O que ela fez até hoje?

(11:12) Dep. Dr. Francisco: Ciomara, essa comissão especial tem promovido audiências públicas na Câmara e nos estados da Federação, procurando discutir com a sociedade brasileira os problemas principais enfrentados pela mulher, a fim de subsidiar a redação da versão final do projeto.

(11:13) Leal: Deputado, que sugestões o senhor conseguiu colher nas audiências nos estados que aprimoraram o projeto?

(11:17) Dep. Dr. Francisco: Leal, nos estados, recebemos sugestões de garantir a execução de políticas sociais públicas, principalmente nas áreas de saúde, habitação, educação, assistência gratuita aos filhos e dependentes nas creches e pré-escola, possibilitando à mulher trabalhar para complementar os recursos do lar.

(11:13) CIOMARA: Quando o senhor pretende entregar seu relatório?

(11:20) Dep. Dr. Francisco: Ciomara, pretendo entregar meu relatório o mais breve possível. Logicamente, as reuniões da Comissão Especial do Estatuto da Mulher foram prejudicadas pelo conturbado ano político, com a formação de várias CPIs e o recesso parlamentar. Portanto, temos o dever de continuar o trabalho dentro da comissão, para que os resultados sejam colocados para a sociedade brasileira o mais rápido. Em tese, a comissão especial não pode passar de uma legislatura para outra e este é o último ano da atual legislatura.

(11:18) nicole: Deputado porque 1%? Como se chegou a esse percentual para essa "cota" para mulheres chefe de família, mães solteiras, soropositivas, portadoras de necessidades especiais e as que comprovem incapacidade de manter seu próprio sustento?

(11:27) Dep Dr. Francisco: Nicole, esse percentual foi estabelecido no projeto original, do qual sou relator. É possível questioná-lo quando da elaboração do relatório final e do substitutivo que apresentarei à comissão especial.

(11:26) CIOMARA: A bancada feminina da Câmara apóia esse estatuto?

(11:39) Dep. Dr. Francisco: Ciomara, a bancada feminina da Câmara apóia o Estatuto da Mulher, mas sobretudo pede para que haja o cumprimento da Constituição e da legislação ordinária, o que já seria muito importante para garantir os direitos das mulheres.